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Sala de espera

Catilina Moreira
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Contos
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October 10, 2025

No seu passo habitual de metrónomo, Américo seguia para a poltrona adaptada da sua pequena sala de estar. É estranho como chamamos “sala de estar” à divisão da casa onde se poderia fazer a maior quantidade de coisas diferentes, mas onde não há nada que obrigue que a designemos de outra forma. E, embora esta divisão já tivesse sido outrora um quarto e uma sala de jantar, agora era mesmo só uma sala de estar, pois era ali que eles estavam. Também é estranho que sendo a “sala de estar” fosse quase a divisão mais pequena da casa, senão contarmos com a casa de banho. No fundo, não passava de um corredor ladeado por estantes onde se encaixava a televisão, as vitrines, as gavetas das fotografias, o armário das bolachas e dos bolos secos, as prateleiras das fotografias e das salvas de prata, de um lado, e pelo sofá de dois lugares emeio e a poltrona adaptada, do outro lado. Esta sala de estar, ligava então a marquise ao corredor da entrada de casa.

E ali estava Américo, acabadinho de sentar nasua poltrona adaptada, que não era mais do que uma espécie de espreguiçadeira de baloiço, ligeiramente mais alta que o sofá e com braços firmes, que tornavao sentar e o levantar menos penosos. Fora oferecida pela insistente nora Sofia,que não se cansava de lhes encher a casa com apetrechos “muito úteis para jovens da terceira idade”. Américo detestava a poltrona, quase tanto como adesignação terceira idade. A crua verdade é que detestava ainda mais não conseguir levantar-sedo sofá sozinho.

- Isa! Toma: bebe a tua água mulher – ordenou Américo, estendendo o copo à mulher.

- Não, já bebi há pouco. Não quero andar acorrer para a casa de banho a tarde toda. Bebe tu a tua… Já viste, hoje estão em Viseu.

- Estou a ver, estou a ver… bah, mas é semprea mesma coisa, não mostram nada das terras, mostram só o mesmo de sempre.

- Shh! Deixa ouvir – ralhou Elisa.

Américo obedeceu, daí a pouco fechou os olhos. Não precisava de ver o que já tinha visto tanta vez. Tinha os olhos cansados de tanta repetição. Sabia bem que não levava a lado nenhum este tipo de discussão com Elisa, até porque na realidade não se havia sentado para ver televisão, somente para se esquecer do tempo que falta, por mais um bocado. Também Elisa não estava sentada a ver televisão, até porque praticamente já nãovia nada. Em todo o caso, era ali que se sentia bem, no seu casulo. Sentada emcima do largo coxim de espuma memory e com nunca menos de três mantas em cima dos joelhos e à volta da barriga. Outra almofada para recostar as costas e, nos dias em que estava mais fresquinho, um velho xaile pelos ombros. Deixava apenas as tortas mãos de fora, uma segurando o terço e a outra repousava em cima do comando. Américo e Elisa estavam casados há mais de sessenta anos, tratando-se por isso de duas jovens tartarugas que muitas vezes desistiam destas discussões, deixando de lutar e simplesmente se deixavam ficar de barriga para cima até adormecerem e se esquecerem de onde estavam e como foram ali parar. Tanto um como o outro sabia que ou um ou outro acabaria por adormecer a meio da conversa e então optavam por não gastar energias em discursos inúteis. Mas nem sempre foi assim.

Publicado originalmente a 17 de julho de 2025 em https://teddyobear.blogspot.com/2025/07/sala-de-espera.html
Catilina Moreira
Escritora, sempre que possível.

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